Um ato, vários motivos
EDITORIAL
Há muitos anos, Jô Soares reuniu um grupo de analistas políticas visando participações ocasionais em seu programa. Inicialmente esse grupo foi formado por Ana Maria Than, Cristiana Lobo, Lilian Witte Fibe e Lúcia Hipólito, e depois vieram outras como Vera Magalhães, Natuza Nery e Mara Luquet, isso no início da década de 2010. Lula cumpria o seu segundo mandato, chamuscado pelo processo conduzido por Joaquim Barbosa no STF, conhecido como Mensalão. “Cobra mal matada”, Lula se fortalecia em uma época isenta de redes sociais e infestada de veículos de comunicação tradicionais, sedentos por verbas públicas. Jô não era político, mas as meninas eram um tanto tendenciosas, pois trabalhavam em um conglomerado beneficiado por essas benesses, o Globo, onde algumas das quais permanecem até hoje. Claro, não havia polarização, porém, pela primeira vez o Supremo mostrou que servia para fazer outras coisas que não se beneficiar das regalias físicas, financeiras e institucionais que goza até hoje. A lembrança veio pela manhã, quando a mesma Natuza Nery avisou, em nome do STF: “depois disso, nem ousem falar em anistia”. Pois bem. Hoje nem Jô Soares existe, tampouco duas de suas primeiras companheiras no famoso quadro, mas as “meninas” permanecem. Curiosamente, com o mesmo Lula, eleito pela terceira vez. Por isso elas foram rápidas, durante a cobertura das explosões na Praça dos Três Poderes, em associar o chaveiro aos movimentos de 8 de Janeiro. Nem precisaram de esforço. A identificação de sua filiação política deu as primeiras pistas que se trata, mesmo, de um viúvo da baderna, com a diferença que imaginou uma segunda onda só para chamar de sua. Não levará muitas horas para que comecem as associações com Jair Bolsonaro emanadas por autoridades judiciárias, o que Nery antecipou. Por enquanto, tudo leva a crer que, quase dois anos depois, as explosões e o suicídio do ex-candidato a vereador foram inspirados em movimentos da ultradireita, mas trata-se de um efeito colateral de espectro variado. Causa e efeito são estudados pela ciência há séculos, e da mesma forma que as eleições presidenciais demonstraram um eleitorado divido ao meio quase matematicamente, os togados de Brasília, enquanto permanecerem militando, julgando seus processos pela capa, e não pelo conteúdo, despertarão indignações que podem deflagrar ações extremas, como foi esse caso. Infelizmente, se não tínhamos esse histórico, hoje o mundo conheceu o primeiro homem bomba genuinamente brasileiro. Lula, ao assumir o seu terceiro mandato, insinuou buscar a “pacificação” do país, mas continua falando para o seu próprio eleitor. Todos que lhe negam as bençãos são “antidemocráticos”, e assim também pensam e agem os ministros da suprema corte. O saldo do atentado em Brasília, até agora, é deplorável. Alexandre de Moares, mais uma vez, acenderá sua espada da luz; manifestantes ainda presos pelo 8 de Janeiro, que sonhavam em ganhar as ruas, terão que retirar seus cavalos da chuva; e o PL, pra variar, terá que se esforçar para sair da “partidarização” prevista para o desenrolar deste caso. E tudo às vésperas de um importante encontro internacional no Brasil. De fato, as meninas da Globo estarão com galões de combustível nas mãos nos próximos dias, apenas a espera de um isqueiro.
Roberto Lucato
Ilustração: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil