Truculência desmedida
EDITORIAL
Quando a Folha de S. Paulo denunciou diversas ações do ministro Alexandre de Moraes para conduzir os inquéritos que preside, consideradas atípicas e no mínimo discutíveis do ponto de vista jurídico, esperava-se no mínimo um aumento de sensatez. Aguardava-se, também, que o constrangimento pela exposição de seus atos incentivasse Moraes a, finalmente, concluir algum inquérito, em particular o das “fake News”, para justificar o uso de mecanismos nada convencionais. Porém, o ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo continua agindo como tal, colocando-se não como um julgador, mas um autêntico paladino da justiça como se via nos seriados de Batman e Robin. Com o uso de seu poder supremo, e não propriamente de ministro do Supremo, Moraes inova, agora, em seu arcabouço criativo, “intimando” não apenas a rede social X a designar representante legal no Brasil, como bloqueando recursos de uma operadora de internet administrada por Elon Musk, a Starlink para salvaguardar multas aplicadas à plataforma social. Na prática, uma substituição de personalidade jurídica em ato de ofício, algo que, se referendado por seus pares, pode abrir um precedente perigoso contra qualquer empresa instalada no Brasil. Musk, para irritação quase paranoica de Moraes, zomba de suas medidas e produz memes na internet para depreciá-lo, e assim atinge também o Supremo Tribunal de Federal, cada vez mais corporativo para referendar decisões monocráticas. Existem vários pontos que devem ser considerados nesta situação, mas dois parecem evidentes e principais. Enquanto seu coração pulsar e não chegar a aposentadoria compulsória, que está longe, Moraes seguirá perseguindo de maneira implacável pessoas que, em seu entendimento, representem “riscos à democracia”, algo tão subjetivo como apreciar salada de frutas com pedaços maiores ou menores. O outro ponto: ao inovar de maneira tão flagrante e engenhosa no campo jurídico, Moraes seguirá abrindo precedentes que suscitarão questionamentos exatamente na esfera constitucional, a conferir em pouco tempo. É o caso de se perguntar: se os poderes devem ser independentes, porém agir em harmonia, o que temos pela frente não se trata de abuso de poder? E, se for, o que os nossos parlamentares estão fazendo à respeito? Temendo serem as próximas vítimas enquanto cruzam seus braços? Na idade média, os imperadores não davam satisfação a ninguém, mas não estamos no século XXI? Para quem acreditas que Moraes, de fato, protege a democracia bloqueando o acesso à redes sociais, deve pensar o mesmo quando Nicolás Maduro prende quem não lhe convém na Venezuela. Há diferenças semânticas nesses dois tipos de autocracia?
Roberto Lucato
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