Sabatina protocolar
Muitas situações me fazem lembrar do quanto era inútil o trabalho daquele simples atendente de um estacionamento em São Paulo. Durante anos ele ficou na saída do estabelecimento recolhendo os comprovantes de pagamento, para chegar ao final de seu expediente e depositá-los em enorme cesto de lixo. Aliás, trabalho como esse está a cada dia mais raro, substituído por equipamentos automáticos que liberam as cancelas, e assim nasceu a modernidade. Alguém parou para pensar, foi só isso o que aconteceu. A coleta de cupons, se tivesse algum significado contábil, vá lá, mas não era. O sujeito ficava ali, parado o dia inteiro, à espera dos papéis, e por que me lembrei disso? Porque não há nada mais injustificável que uma “sabatina” para um cargo no Supremo Tribunal Federal. Como diria o jornalista Augusto Nunes, algo comparável a um chá entre senhoras. Vamos lá. Depois que o STF entendeu que poderia se intrometer em todos os assuntos que julgasse de interesse nacional, e não constitucional, é evidente que isso aumentou a estatura do colegiado. Ou seja, se até ontem o artigo 53 da Constituição tinha algum valor, garantindo a livre manifestação de um parlamentar, hoje isso é relativo. A depender do grupo político ao qual pertença o eleito, este dispositivo vai para o mesmo lugar dos papéis do estacionamento. Portanto, a expectativa criada em torno da sabatina à qual se submeteu o advogado Cristiano Zanin não justificou sequer o tempo destinado às perguntas e respostas. Porque, na frente dos senadores, estava alguém que em breve terá a capacidade de julgá-los, e quem se atreveria a ser deselegante ou declarar um voto contrário? A propósito, àqueles que se esperneiam em torno da indicação do presidente Lula, deixo uma reflexão. Em que pese a atuação de Zanin em socorro do petista, Ricardo Lewandowski era inegavelmente mais comprometido com os desejos de Lula porque lhe devia a incerta nomeação. O ministro aposentado, ao contrário do futuro, sequer possuía predicados jurídicos à altura do cargo, e chegou até ele pelas mãos de Marisa Letícia, ex-mulher do presidente. Portanto, esse é o primeiro ponto favorável para esta substituição, pensando em algum reequilíbrio da corte. Agora, trocar uma carreira que lhe seria farta, após a absolvição de Lula, por um cargo vitalício, não tem lógica financeira, porém, é de estufar o peito.