Que a solidariedade vença a intolerância

Que a solidariedade vença a intolerância

Antonio Claudio Bontorim
Jornalista
claudio.bontorim@tribunadelimeira.com.br

Os números, assim como na pandemia da Covid-19, não são exatos. E podem, também, estarem subestimados por que ninguém tem, ainda, as dimensões da tragédia climática do Estado do Rio Grande do Sul, ou RS, como é conhecido pela sua sigla federativa. Elas somente serão reveladas e trazidas à luz, quando as águas secarem na capital gaúcha, e nos demais municípios que foram atingidos pelas enchentes desde o final de abril deste ano. Muitas das quais vinham se recuperando de outras duas, em setembro e novembro do ano passado.
Não custa dizer – e afirmar na certeza – que são tragédias evitáveis a partir de ações governamentais que nunca acontecem. A capital dos paulistas é um exemplo disso, não na mesma proporção, mas sempre nos mesmos lugares. Somente são lembradas quando outras, outras e outras são registradas. Este 2024 vai ficar na memória da população gaúcha, pelas imagens devastadoras, imagens de guerra. E, também, na de todos os brasileiros, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, os pontos cardeais que regem nossa geografia territorial.
Assim como foram as da pandemia, entre os anos 2020 e 2021, no seu auge, com as covas coletivas e os caixões que saiam dos necrotérios e chegavam aos cemitérios. E as lições começam pelo impacto atual das imagens diárias que estão na mídia nacional e internacional.
A primeira lição mostra que, no início, quando começou a grande mobilização nacional, com a participação dos governos federal, estadual e municipais, recomendou-se que não se procurassem os culpados, pois era um evento climático e de proporções até agora não contabilizadas. Mas os culpados, infelizmente, e felizmente por que os conhecemos, estão diante de todos nós. E é uma situação tão recorrente, que os personagens, dos protagonistas aos figurantes, são sempre os mesmos. Não se separa um lado do outro.
A lição número dois, e não menos importante, é que neste caso, os figurantes têm nome, partido político e cargos públicos. E os protagonistas são aqueles que perderam suas casas, suas famílias e suas identidades, pois nem documentos conseguiram salvar. Esses protagonistas também têm nomes, tinham endereços e tiveram tudo isso roubado pela força da natureza, que cada vez mais agredida, devolve essa agressão em doses ainda maiores.
Outra lição aponta que uma tragédia climática é, sim, culpa de todos nós, quando jogamos lixo nas vias públicas, quando não fazemos a separação correta do lixo orgânico e do reciclável e, principalmente, quando agredimos a natureza, com queimadas, desmatamentos, exploração mineral criminosa e troca de nossos biomas, que sustentam a relação entre ação e reação, quando são atacados pela exploração agrícola e pecuária. Por si só, não têm culpa direta, mas quando invadem áreas, que deveriam ser preservadas, para maior lucratividade de produtores e pecuaristas, cada vez mais gananciosos e menos preocupados com as consequências.
A quarta lição nos ensina que nas cidades, a especulação imobiliária torna o solo impermeável, levando-as à situação em que ficou, por exemplo, Porto Alegre. E não há controle e nem mesmo interesse dos governos em regular essa situação. Falta-lhes coragem para atacar o capital especulativo, que compra suas consciências com dinheiro fácil para suas carreiras políticas. E, seduzidos por todas essas facilidades, vão “abrindo a porteira”, como disse aquele então ministro do Meio Ambiente, numa reunião ministerial, quando o coronavírus avançava, roubando a saúde dos brasileiros.
Muito há por vir daqui para frente. A redução de tempo entre um evento climático e outro, no Brasil e no mundo, está cada vez mais frequente e as discussões pela preservação ambiental, muitas vezes chamadas de ecoterrorismo pelos negacionistas de tudo. Não vai longe, até termos uma nova situação de calamidade, como também são as secas extremas, outra consequência dessa negação, de quem ainda acredita que a Terra é plana. Aos gaúchos, neste momento, restam a resiliência e a preparação para a retomada de suas vidas. E que tenham a consciência de que nada será como antes.
E quinta e última lição, para este momento, é reconhecer que somos um só povo, composto por imigrantes de todas as procedências, descendentes de italianos, alemães, franceses, portugueses entre tantos outros. E também, hoje, por refugiados das mais distantes regiões do Planeta. E, principalmente, reconhecer que somos separados apenas pelas regiões geográficas às quais pertencemos e ninguém é melhor do que ninguém.
Somos todos brasileiros, conforme vem demonstrando o espírito da solidariedade nacional, que hoje leva conforto aos que sofrem com as enchentes no Rio Grande do Sul.

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