Ponto Um
Compaixão seletiva
Muitos de nós devem ter ficado profundamente tocados com as imagens de destruição, desta vez registradas no Rio Grande do Sul. O relato de um pai de família, em particular, foi desolador. Na tentativa de salvar suas duas crianças e a mulher, ele as levou para o telhado da casa, mas foi atingido por algum objeto que o fez as perder. Disse ele à reportagem: “Se não encontrarem minha família eu vou me enfiar nos riachos até encontrar os corpos, para dar a elas um descanso digno”. As cenas definitivamente foram fortes, e mais uma vez um fenômeno meteorológico demonstrou uma força superior comparada àquela que estamos habituados a conviver. Não há dúvidas que, quando algum dos elementos da natureza aparece com toda a sua intensidade, os seres humanos voltam a ser aquilo que parecem vistos do espaço: nada. E exatamente sobre esses conceitos de finitude e fragilidade concentro o comentário de hoje. Antes, algo importante. Percebam que, por mais que as prefeituras se mobilizem em ocasiões de catástrofes, o que é obrigatório e natural, é pelas mãos de pessoas de simples e humildes que chegam as primeiras doações. Sejam alimentos ou produtos higiênicos, eles aparecem em sacolas de supermercados e sacos de lixo em enorme profusão. Mas, raramente, alguma grande empresa faz uma doação expressiva. Bancos, então, nem se fale. A Tramontina, por exemplo, é uma das maiores empresas do estado. Onde estava o seu presidente quando as águas encobriram as cidades gaúchas, na Europa? É assim que funciona: as empresas não possuem empatia; possuem negócios. Suas faces humanitárias aparecem somente, e raramente, em mensagens subliminares nas propagandas de suas marcas. Porque, certamente, elas sobreviverão depois da morte de seus gestores, e não precisam administrar conceitos de insignificância diante do planeta. Se, costumeiramente, aprendêssemos a conviver com isso, seriamos mais felizes. Retiraríamos das costas, com mais facilidade, os fardos nossos de cada dia. Lidaríamos melhor com as pessoas mal-educadas que nos circundam, com os arrogantes que nos subestimam e com os especialistas em transferir problemas. Superaríamos as inevitáveis adversidades sabendo que elas são transponíveis, que as dores cessam e que, da mesma forma que a relva renasce em mato queimado, das cinzas também nos reconstruiremos. Não existe compaixão seletiva: ela deve ser total e permanente.