Ponto Um

Ponto Um

Sombra e água fresca

Esse episódio da “123 Milhas” reforçou algo que sabemos de longa data: a vida é feita de sonhos e realizações. Durante muitos anos cedi à tentação de parecer um “homem de negócios”, renunciando a tirar férias com regularidade. Mas, na medida em que meu filho dava seus primeiros passos, percebi que ele merecia mais do que minhas brincadeiras feitas no tapete da sala. As viagens impõem uma relação diferente entre os membros de uma família. O pai normalmente se atenta ao cumprimento da programação; a mãe divide seu tempo entre olhar as crianças, tomar um pouco de sol, ler ou caminhar; em raras brechas, namorar um pouco. Já os filhos são os que mais aproveitam, exceto quando são obrigados a almoçar ou jantar, às vezes, em dormir mais cedo. Portanto, todos os passeios que pude fazer há vinte anos, em formato quinzenal, estão nítidos em minha memória, como estão nas recordações de meu filho e de minha mulher. Sempre escolhia hotéis próximos a campinhos de futebol para ensaiar jogadas com o Giovane, e só depois que o tempo passa, distanciando pais e filhos como pede o ciclo da vida, é ótimo quando dizemos a nós mesmos: tudo foi no seu tempo. Isso não significa dizer que acabou. As datas permanecem as mesmas, mas muitas referências se alteram. O período de férias escolares passa a ser aproveitado por quem continua estudando. Para os aposentados ou quem tenha diminuído a marcha, feriados prolongados, não mais. Finalmente, aos casais que permanecem em seus ninhos vazios, viajar significa reacender a velha chama, experimentar novos pratos e conhecer costumes diferentes. Mas essa lista de situações não pára aqui. Ouvindo dezenas de depoimentos colhidos pela imprensa, cada cliente prejudicado pela “123 Milhas” relatando suas frustrações, isso me tocou bastante. Alguns aproveitaram as ofertas para rever parentes não visitados há anos; outros estavam ajustando as fivelas para renovar votos de casamento. Um grupo disse ter juntado dinheiro para desfrutar o último passeio como recém formados, enquanto jovens lamentaram a perda de shows de rock, cujos ingressos foram comprados com muita antecedência. Há outras centenas de situações, mas voltando ao ponto: sonhos e realizações. Ou, esforço e recompensa. Cada um enxerga e dá o seu próprio sentido à existência. Há quem prefira olhar somente para a frente, como existem aqueles, felizes pelo acúmulo de experiências, e não necessariamente bens. A esses, aos eternos viajantes, minha profunda solidariedade, e por fazer parte deste time, um brinde também. 

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