Ponto Um
O pequeno presépio
Creio que o fio condutor desta reflexão não seja inédito, porém segue acentuado. Há muitos anos, após encerrar uma peregrinação natalina em busca de enfeites e lembranças, observei a pequena quantidade de presépios em exposição. Um comerciante, velho amigo, explicou que o uso de imagens estava na contra-mão das chamadas “boas práticas comerciais”. Ou seja, a representatividade da manjedoura, de Maria, José e do Menino Jesus, seria ofensiva à seguidores de outras religiões não católicas. Esse grupo deve ter aumentado porque o tempo passou e, de novo, os presépios estão desaparecendo, restando a dúvida: essas representações são, de fato, ofensivas? Na semana passada reencontrei um caro amigo durante uma confraternização de fim de ano. Faz anos que ele e sua esposa abandonaram o catolicismo e desde então se dedicam aos estudos bíblicos, portanto, o Natal para ambos não tem qualquer significado. Ao nos despedirmos, um comentário que eu fiz remeteu a alguma passagem dos evangelhos, o que possibilitou a este amigo uma pregação em plena calçada por quase vinte minutos. Sua mudança do ponto de vista espiritual o tornou uma pessoa mais compassiva e mais uma vez, ele, sua esposa, seus filhos e netos estarão diante de um fim de semana qualquer, e qual é o problema? Nenhum, como simbolizar na montagem de um presépio, o nascimento de Cristo. Imagens de gesso ou pano nem de longe possuem algum condão sagrado, como a Santa Ceia de Leonardo da Vinci significa apenas o que teria sido a última reunião de Jesus Cristo com seus apóstolos. Simples assim. O problema é outro, e tem nome: intolerância. Na medida em que a construção de um conceito é feita com a destruição de outro, não se cria uma área de ambivalência, e sim de confronto em busca da supremacia ideológica. Trocando em miúdos, quem não compreende ou aceita uma ideia diferente está longe de viver em paz. Festejar o Natal, portanto, ainda que seja uma tradição secular, segue opcional, e não obrigatória. Porque ninguém depende da quantidade de pratos servidos durante a ceia, ou do valor dos presentes trocados, para ser mais feliz, um cristão melhorado ou simplesmente um novo pagão. Os natais, assim como a vida, se transformam, ora com gente demais, ora de menos, e só não muda o seu significado, e que possamos, não apenas agora, mas durante mais uma jornada, torná-lo vivo e presente. À luz de meu pequeno presépio, o desejo de um Feliz Natal!
Roberto Lucato
Foto: Márcia Lucato