Ponto Um
Despedidas e lembranças
Uma das principais causas de inquietação entre os membros da terceira idade – ainda não cheguei à conclusão se posso classificá-la como “melhor” – se relaciona às sucessivas perdas de entes queridos. Naturalmente, como ensina uma estimada amiga, envelhecer deveria ser uma prioridade para cultivarmos – o contrário é terrível – e, na semana passada, passei por um desses percalços. Perto da hora do almoço recebi a notícia que minha querida Tia Denise, dormiu em seu quarto, recém inaugurado em Brasília, para acordar no céu. Absolutamente lúcida e bem-humorada, ela nos deixou na semana em que faria 90 anos, exatamente no mês em que papai completaria 95, e desde então minha memória não deixa, um dia sequer, de exibir reprises de nossas conversas. Tia Denise era irmã de leite de um amigo norte-americano do meu pai, casada com um comandante da Marinha e residente na Rua Cupertino Durão, no Leblon. Exatamente neste endereço nos conhecemos, através do Tio Nelson, o irmão de leite, quando tinha 16 anos. Lá fui apelidado de “laranjinha”. Consegui uma oportunidade de treinar na Gávea, no campo do Flamengo, e ela me emprestou um quarto para passar algumas noites no Rio de Janeiro. Claro que não conseguiria me transferir mas, treinei, conheci o Zico pessoalmente, e de lá para cá desenvolvemos uma longa amizade, eu, meus irmãos e minha mãe. Conheci suas três filhas, o que elas pensavam sobre a Cidade Maravilhosa e compreendi porque meu pai tinha pelo Rio a mesma atração que tenho por Serra Negra. Mulher refinada, culta e determinada, teve o desprendimento de cursar psicologia depois dos 40 anos para incentivar uma das filhas, profissão que abraçou até os seus últimos dias. Adaptada à tecnologia, passou a atender seus pacientes à distância, e foi o máximo! Aliás, devo a ela meu imenso respeito aos profissionais desta área, muitos deles responsáveis por devolver uma vida proveitosa e plena a vários conhecidos, entre os quais minha mãe querida. Tia Denise também me ensinou, à sua maneira, a compreender a multiplicidade de gestos, ações e intenções humanas, longe da superficialidade com a qual normalmente vemos. E, sem dúvida, a arte da gentileza. Da celebração das datas. Ela nunca falhou no Dia do Amigo, especialmente, e nos aniversários. É sempre um momento de tristeza e ao mesmo tempo de reflexão quando nos despedimos de alguém, mesmo que nos restem enormes lembranças e a felicidade de nos termos conhecido. É o que tenho agora, e sou grato por isso.