Os limites das autorizações póstumas

Os limites das autorizações póstumas

Há mais de uma década apresentei, por um bom tempo, o programa televisivo Ponto Um, no qual eram abordados temas da atualidade e exibidas reportagens especiais. De vez em quando fazíamos locações externas, o que na época dava muito trabalho, e certa vez, por sugestão de um médico, amigo próximo, conheci a esposa de um de seus colegas. Seu nome: Maria Inês Dolci. Naquela ocasião ela já se destacava como autoridade para os chamados direitos do consumidor, e assim agendamos uma entrevista especial, mais tarde gravada em uma livraria instalada na Rua 7 de Setembro. Meiga e ao mesmo tempo firme em suas convicções, Maria Inês fez observações interessantes ao longo da conversa, especialmente sobre aquilo que não enxergamos nas relações de consumo. Pois foi exatamente o que ela acabou de fazer, em mais um artigo publicado na Folha de S. Paulo. Segundo sua ótica, a sociedade está percorrendo um cenário ainda indefinido na questão da inteligência artificial, e seu exemplo não poderia ser melhor. Referindo-se ao comercial exibido pela Volkswagem, eis sua observação: “do ponto de vista das relações de consumo, vejo um grande problema: Elis não foi nem poderia ter sido consultada sobre seu interesse em participar deste comercial. Logo, o consumidor é induzido a erro, julgando que Elis tivesse relação próxima com aquela marca e modelo de veículo”. E deixa um alerta: “Se não acelerarem a criação do Marco da Inteligência Artificial, teremos cada vez mais situações como a que envolve a maior cantora da história do Brasil. E tudo vai ficar ainda mais complicado com a evolução da IA”. E encerra de maneira triunfal: “Propositalmente, não abordei aqui as questões políticas envolvidas neste debate, pois já foram amplamente discutidas em artigos, matérias e nas redes sociais”. Como mencionei, ela é um fenômeno, pois saiu do território ideológico e afetivo pensando no futuro. Pensando bem, mesmo considerando que os herdeiros de Elis Regina autorizaram o comercial, determinar o que uma pessoa pensaria, se viva estivesse, desconsiderando sua própria evolução cognitiva, é muita ousadia. Em tempo: O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária está investigando esta situação.

Foto: Divulgação Volkswagem

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