O populismo que encareceu as empanadas e a Argentina
EDITORIAL
As ruas disseram, em 2013, o quanto a situação não era boa para Dilma Roussef, a ensacadora de vento. Disseram mais. Em pleno andamento das construções para a Copa de 2014 e consequentemente maior visibilidade para gastos e suspeitas de superfaturamento, revelaram que os brasileiros buscavam algo diferente para a sucessão de Michel Temer. A aparição de Jair Bolsonaro, paparicado como líder uma seita, ocupou um espaço que não representava mudanças, propriamente, mas algo parecido com ruptura. A facada foi “apenas” a cereja de um bolo prestes a ser cortado. Porém, se Bolsonaro estava no lugar certo na hora certa, faltavam-lhe credenciais técnicas para o exercício da presidência; méritos, portanto, de reconhecer isso ao abrir filiais de postos Ypiranga em Brasília. Comparativamente, a eleição de Javier Milei na Argentina se deu na mesma proporção. Depois de reconhecidos insucessos de governos peronistas, que jogaram a economia de nossos vizinhos nas trevas, os eleitores saudaram a aparição de um cidadão com todas as características de “rompedor”. Era o que se esperava dele, e agora ele oferece mais. Primeiro, controlando algo que parecia impossível: uma inflação na cada de três dígitos. Depois, cortando regalias e privilégios – por exemplo, da ex-presidente Cristina Kirschner, que acumulava até pouco tempo três polpudos salários. Milei só não mexeu, ainda, no subsídio assistencial, porque parece, mas não é, louco. Com o salário-mínimo na casa de 200 mil pesos – algo equivalente a mil Reais –, ele não pode cortar o auxílio de 60 mil pesos, por filho, das pessoas mais pobres, quase a maioria da população. Como economista ele faz contas e sabe, como ninguém, que está diante apenas do início de um calvário. Enquanto pagamos 5 Reais por um pacote de açúcar, os argentinos pagam 15; se reclamamos do preço da farinha de trigo importada da argentina, aqui pagamos 6 por um quilo, lá eles produzem pães e massas a 12 – isso explica uma empanada custar 14 Reais. Em resumo, se os brasileiros se exibiam fazendo compras na Rua Florida há pouco mais de dois anos, hoje eles desapareceram. A hiperinflação acabou com o valor do peso, os produtos estão impressionantemente mais caros, deixando como consolo duas mercadorias ainda acessíveis: a gasolina e o vinho. O presidente Lula possui, semelhante ao seu antecessor, uma espécie de posto Ypiranga, mas não deixa que ele contrate sequer frentistas. A “marolinha” de 2008, agora, é mais consistente; e a geopolítica é mais complexa. Se ele insistir em comandar o Brasil de modo analógico, entregará ao seu sucessor, ou a ele mesmo, um país pior do que estava em 2013, quando a população percebeu o tamanho da encrenca.
Roberto Lucato
Ilustração: Arquivo Pessoal