O futebol, de novo, em desalinho

O futebol, de novo, em desalinho

EDITORIAL

A pandemia impôs um cenário sombrio para todo o planeta. Enquanto os cientistas buscavam algum consenso contra o inimigo que procuravam neutralizar, muitos só se deram conta da gravidade quando imagens de corpos empilhados apareciam próximos de hospitais. Da Itália, talvez, vieram as cenas mais impactantes e, aqui no Brasil, talvez a crise instalada em Manaus tenha sido a mais cruel. Infelizmente agora, diante de problemas crescentes e diários na região sul do país, vivemos outros tipos de emergência. A mais imediata, socorrer ainda pessoas com risco imediato de morte por afogamento. Será importante, também, que as pessoas que não têm mais para onde ir, o que comer ou vestir, sejam acolhidas para que restaurem minimamente a esperança de voltar a viver. Isso levará tempo e, em um terceiro momento, será preciso apoiar a restauração de postos de trabalho, sem os quais outra parte da população sentirá efeitos terríveis em poucas semanas. Por essas e inúmeras outras, a continuidade do Brasileirão é importante? Na pandemia, por insistência de cartolas inescrupulosos, elencos inteiros foram contaminados pela continuidade dos jogos. Além de questões de saúde, o aspecto psicológico falou mais alto, e o que pensam os dirigentes, agora? Levar Juventude, Grêmio e Internacional para treinarem e mandarem seus jogos fora de casa evitará que os jogadores e comissões técnicas deixem de sentir os efeitos da tragédia? No auge da inundação de Porto Alegre, saltitante, Madonna fez um show em Copacabana como se nada tivesse acontecido. Ela não teve culpa, embora pudesse exaltar gaúchos e gaúchas em vez daqueles a quem fez apologia, mas o show não poderia ser desmarcado. Não havia relação direta entre o estado afetado, mas o futebol pode parar. Em respeito às vítimas, à essa situação desoladora e, também, em respeito ao esporte, que tem por princípio oferecer condições justas aos atletas. Imaginar que os jogadores dos clubes envolvidos terão o mesmo desempenho nesta altura da tragédia, e não apenas pela falta de treinos, é desumano. A tragédia que vitimou a Chapecoense mudou a competição e suas regras. Precisamos de mais mortes para nos sensibilizar? A paralisação neste momento demonstrará que, ainda, o dinheiro não pode comprar tudo ou todos.

Roberto Lucato

Ilustração: Freepik

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