O bom jornalismo perdeu um gigante

O bom jornalismo perdeu um gigante

EDITORIAL

Repórteres e editores que começaram suas carreiras em desktops ou notebooks perderam a idade da pedra no jornalismo. Período no qual entre o processo de apuração até a divulgação de uma notícia consumia-se mais do que o ato de pensar. Os equipamentos eram rudimentares, as ilustrações – quando eram possíveis –, raras, e se compararmos aos dias atuais, a velocidade da informação era puxada por uma charrete. Por isso, desde sua invenção, o rádio assumiu protagonismo por constituir-se em uma espécie de internet, mal comparando. A televisão, que inicialmente emprestou do próprio rádio seus principais protagonistas, impôs aos seus idealizadores um problema adicional: as imagens eram, na maioria das vezes, autoexplicativas. Ou seja, a descrição de um fato passou a ser coadjuvante, não mais o ator principal. Rádio e televisão foram as oficinas de Antonio Agusto Amaral de Carvalho, que faleceu aos 93 anos em São Paulo. E foi muito interessante, para não dizer emocionante, ver e ouvir tantos depoimentos que ilustraram uma trajetória memorável. Pontuada por algumas características marcantes. A principal, talvez, seja a sensibilidade, especialmente para aferir não apenas o que daria certo ou não, mas para entender o que os ouvintes e telespectadores desejavam. Mas a sensibilidade do “seo” Tuta, como era chamado, não se restringia em colocar pessoas em locais certos, como criar esses locais, conforme suas observações diárias apontavam. Porque uma redação eficiente não se constrói apenas com profissionais consagrados ou um editor chefe exigente. Ela é feita com criatividade, imaginação, senso de qualidade, honestidade e empenho de cada membro. Um veículo de comunicação, como um todo, exige mais ainda, porque não pode – e não deve – achar que o dinamismo dos fatos o renove o tempo todo. Esses tempos de multiplataformas comprovam isso: se até vinte anos atrás um jornalista qualificado era aquele que transitava nas três principais mídias – rádio, TV e jornalismo impresso –, hoje não mais. A versatilidade tornou-se indispensável e os depoimentos sobre o fundador da rádio Jovem Pan deixaram isso bem claro: os funcionários da emissora sempre foram incentivados a querer mais. E deviam ao superior não apenas respeito, mas algo raro: uma confiança inabalável em seu “feeling”. Não à toa, em depoimento, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, classificou o “seo” Tuta como “vidente”, e não apenas visionário. Traço que lhe permitiu lançar não apenas locutores, atores e redatores, mas quadros e programas de absoluto sucesso. E, finalmente, ele possuía duas características não menos importantes, mas uma raridade nesses tempos estranhos. A primeira: o “seo” Tuta foi uma pessoa talhada a encontrar alternativas diante das dificuldades e uma delas bem ilustra esse dom. Percebendo que a Federação Paulista de Futebol criaria entraves para a transmissões esportivas, ele recorreu à música para preencher a grade de sua emissora, daí surgindo os festivais e, em paralelo, a Jovem Guarda. A seguir, Roberto Carlos. Não à toa, a rádio Panamericana se transformaria em Jovem Pan. A segunda, artesão que cunhou o bordão “ninguém faz sucesso sozinho”, o criador da Jovem Pan era uma pessoa extremamente generosa, e fundamentalmente humilde. Viveu uma longa trajetória, absolutamente inspiradora para o jornalismo.  Um desses personagens que a história não produz uma cópia.

Roberto Lucato

Ilustração: Reprodução Jovem Pan

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