Não existe espaço vazio na política
EDITORIAL
Se a Rede Globo tivesse representantes na Lua, em 1969, nem assim conseguiria dar tanta repercussão, como deu, à chegada dos brasileiros da Faixa de Gaza. Na última segunda-feira, durante a transmissão do J-10, por volta de dez e meia da noite, da escuridão fez-se a luz, poderíamos dizer. Do primeiro repatriado à última criança que deixou o avião presidencial, todos foram devidamente cumprimentados pelo presidente Lula, por sua meteórica esposa, e demais ministros de estado, estrategicamente recrutados para a formação de uma longa e cinematográfica fila. Vamos aos fatos paralelos, então. Um pouco antes desta cena, um representante do Itamarati foi entrevistado pelo mesmo programa, reiterando os esforços do governo brasileiro, em particular do presidente, para que isso acontecesse da melhor maneira possível. Nenhuma surpresa até aqui, talvez a maior, um novo escorregão diplomático de Lula ao atribuir atos “terroristas” à Israel depois de sua acolhida. Aliás, algo que ele deixou de fazer quando chegaram ao Brasil residentes em Israel, no início do conflito. Mas vamos ao ponto número dois: Lula, ao se aproveitar deste momento de comoção, digamos, jornalística, infringiu a ética? Fez algo de errado? Isso é condenável? Nada disso. Lula é um político habilidoso e teve como antecessor alguém que não se importava muito com este tipo de aceno, algo ligado com a solidariedade. E talvez o principal erro estratégico de Jair Bolsonaro foi atribuir, por exemplo à pandemia, menor importância no sentido de sua letalidade. Louve-se seu interesse em preservar a economia, mas era absolutamente dispensável verbalizar o que nem é necessário relembrar. Portanto, como um “defensor” das minorias, dos índios, das mulheres – lembrando que duas ministras e uma presidente de banco já foram trocadas –, do meio ambiente e porque não dizer da paz mundial, Lula, habilidosamente, se contrapõe ao antecessor, tocando doces melodias nos ouvidos de quem sempre o aplaudirá, e àqueles que ainda resistem a este canto da sereia, na ilusão que um dia achem que tudo o que ele faz é verdadeiro. E não apenas uma enorme encenação. Não há espaços vazios na política.
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