Matar ou prender?
EDITORIAL
Senha não é apenas aquele conjunto de números, letras e símbolos com o qual temos acesso a diversos aplicativos, incluindo contas bancárias. Grosso modo, senha é uma permissão, um mecanismo autorizativo com o qual se libera uma conduta, vamos dizer. Nesta semana, com maior intensidade, o governador Tarcísio de Freitas tem procurado explicações para justificar – se isso é possível – dois casos em particular, e não apenas a pecha de comandar uma polícia violenta no estado de São Paulo. O primeiro, do assassinato de um jovem à queima-roupa, depois que havia furtado alguns pacotes sabe-se lá do que. Ele foi alvejado com 11 tiros pelas costas e, pouco tempo depois, a sociedade recebe uma imagem inimaginável: um criminoso, detido, sendo arremessado do alto de um viaduto sob a complacência de policiais que assistiam à ação do colega. Tarcísio ofereceu uma senha. A Operação Escudo, realizada no Litoral Paulista, resultou na morte de mais de 50 pessoas no início do ano, desfecho comemorado pelo governador que se dizia “nem aí” com reclamações da Ouvidoria Pública e dos órgãos de defesa dos direitos humanos. A agenda robusta do governador, executada por Guilherme Derrite, tem um método, uma explicação. Como dificilmente a coordenação e execução das políticas de segurança deixarão as alçadas estaduais, o governador fez de São Paulo uma vitrine para exibir, para todo o Brasil, como ele trata essa questão. A população, de fato, elegeu há muito tempo a insegurança nas ruas como um problema crucial, mas a matança de suspeitos, investigados e fugitivos, como se estivéssemos no Velho Oeste norte-americano, não é nem o melhor, nem um caminho aceitável. Até porque, em paralelo, a cada semana crescem as suspeitas do envolvimento de policiais com o crime organizado, o que não é novidade. Portanto, o trabalho da inteligência policial é necessário para retirar da corporação, aqueles que dela sobrevivem não apenas com os seus soldos, mas por mecanismos indiretos de cooperação. Esses dois casos refletem a que ponto chegamos, em que pesem as eventuais instabilidades emocionais dos envolvidos. A história de “bandido bom é bandido morto”, além de ilegal, não melhora a sensação de segurança nas ruas e pior: não intimida a bandidagem, não faz o marginal pensar duas vezes para agir. Se o governador fez do estado um laboratório contra o crime, caberá a ele contornar e ajustar as senhas que os policiais receberam para agir com tamanha insensatez e violência.
Roberto Lucato
Ilustração: Freepik