Intimidade violentada

Intimidade violentada

EDITORIAL

O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, aceitou o pedido da Polícia Federal para abrir inquérito contra o ex-ministro Silvio Almeida por suspeitas de assédio sexual. O caso correrá em instância superior porque uma das acusadoras é atualmente ministra da Igualdade Racial do governo Lula, portanto, mesmo que Almeida esteja fora da esplanada, terá de se sujeitar à investigação federal. Curiosamente, durante esta mesma semana, o candidato e influenciador Pablo Marçal tirou do sério o apresentador e também candidato à prefeitura paulista, José Luiz Datena, requentando um caso já arquivado da mesma natureza. Apurações feitas pela Folha de S. Paulo revelaram que o apresentador da TV Record teria, em determinada época, cortejado de maneira abusiva uma repórter que trabalhava na mesma emissora. Datena não se cansava de elogiar a beleza da menina, incluindo oferecer-lhe privilégios como escolta para voltar para a casa, benefício este concedido por um delegado amigo. A ministra Anielle Franco não tornou pública sua acusação, foi discreta e deixará as investigações correrem, corretamente. Quanto a jornalista assediada por Datena, tudo leva a crer que, desfeito o “mal-entendido”, teria produzido uma retratação pública para encerrar o caso. E neste ponto começamos a refletir: o flerte é a conduta amorosa mais antiga do mundo. Começa em troca de olhares, alguns acenos, uma conversa rápida até que aconteçam encontros mais reservados, não raramente, em cafés, restaurantes e lanchonetes. Mas uma coisa é certa: quando o flerte é recíproco, as intenções nesta caminhada que se inicia são conhecidas. Mais rápidas, mais respeitosas ou ousadas, o objetivo de compartilhar sonhos, ideias e planos de vida se evidencia. Porém, quando um dos dois polos percebe qualquer tipo de ameaça, pressão ou intimidação para “enamorar”, vamos dizer assim, não se pode imaginar em “aceite presumido”. Em permissão. Ou pior, em submissão, algo muito comum no mundo corporativo. É sempre assim, seja na televisão, seja em grandes escritórios: o homem que exerce um cargo de poder ou comando tende a ceder à tentação de extrapolar. De fazer o que fez Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa, denunciado por várias subalternas como importunador sexual até perder o seu cargo. No caso do apresentador Datena, uma ferida foi reaberta e permanecerá assim por um longo tempo. É o que ele pagará por seus desnecessários galanteios. No caso de Almeida, pior. Está no centro de uma investigação não apenas por sua conduta, mas sobre quanto tempo o governo Lula foi conivente com as denúncias que pipocavam em seu entorno. Quanto aos demais, um lembrete: embora não tenha tempo para acabar, a supremacia machista em casos de assédio, moral ou sexual, estão cada vez mais com os dias contados. Porque é uma prática que, assim como tantas outras, não cabe mais em uma sociedade que felizmente evolui. Na qual as omissões das vítimas recebem apoio e incentivo para que, ao contrário, sejam reveladas. Cantada é uma coisa; intimidação e assédio são outras coisas bem diferentes.

Roberto Lucato

Ilustração: Freepik

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