Do flerte ao namoro

Do flerte ao namoro

EDITORIAL

Antigamente um olhar encabulado, dirigido a uma moça, significava um “flerte”, e vice-versa. Era aquilo que se deduzia e não havia maldade, sequer significava uma ameaça. Hoje em dia talvez um simples “flerte” ganhe contornos de assédio mortal ou sexual, vivemos tempos de exageros, mas o fato é que isso representava um começo, uma intenção. Pois bem. Faz alguns meses os congressistas andam flertando com algumas pautas enviesadas, vamos dizer assim. Lá atrás, a anistia aos manifestantes de oito de janeiro, e mais recentemente com mudanças na lei da Ficha Limpa. Hugo Motta, presidente da Câmara, jogou lenha nessa fogueira quando, na semana passada, classificou de “baderna” o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes, e não uma tentativa de golpe de estado. É óbvio que, ao manifestar-se dessa maneira, de modo até desnecessário, o que ele fez foi um aceno aos seus pares conservadores. É bom lembrar, a liderança congressual impõe adesões, não necessariamente do poder Executivo. Ao relativizar o 8/01, ele quis dizer que pode, a qualquer tempo, pautar os projetos de anistia aos condenados e aos ainda investigados, o que o coloca em relevância não apenas diante do presidente Lula, mas dos ministros do Supremo, que surpreendentemente ainda não se manifestaram sobre suas falas. Quanto ao outro flerte, ao de reduzir a inelegibilidade de oito para dois anos, no caso de condenações políticas, claramente haverá ainda mais adesões, ainda que o projeto possa não abarcar casos anteriores. Notadamente, qualquer político gostará da ideia, porque nunca se sabe quando um Tribunal de Contas, por exemplo, pode apontar manobras ilegais ou contabilmente inexplicáveis. Da mesma forma que tentou agradar ao bloco conservador do Congresso, que insiste na anistia dos envolvidos do 8/01, Motta joga para a torcida com a releitura da Ficha Limpa, uma nítida sinalização que, primeiro, em seu ponto de vista, serão atendidas pautas parlamentares. Reformas estruturais, incluindo a agenda econômica, seguirão no fim da fila, impondo mais desafios ao já fragilizado governo Lula 3. De flerte em flerte, é bom lembrar, pode sair um namoro duradouro.

Roberto Lucato

Ilustração: Freepik

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