Capital distante
EDITORIAL
Há muitos anos ouvi um comentário interessante do companheiro Ricardo Galzerano sobre a localização da capital federal. Ele sustentou que Juscelino Kubitschek cometeu um erro estratégico ao transferir a sede do poder para uma região tão isolada, porque isso dificulta, até hoje, a cobrança popular. Depois de acompanhar, neste domingo, a posse de Javier Milei, não somente passo a subscrever este raciocínio como incluo novos motivos para tal. Voltemos os olhos para Brasília, primeiro. Era mesmo necessária a composição pomposa da esplanada dos ministérios, com tantos prédios à espera de ocupantes rotativos? A estrutura física da Capital Federal, vale dizer, já foi ampliada diversas vezes. Há “anexos” no entorno da Praça dos Três Poderes aos montes, e pensando na Câmara dos Deputados: pelo seu tamanho e número de gabinetes, quem ousará, um dia, diminuí-la? É correto que os presidentes das instâncias legislativas residam em verdadeiras mansões com estrutura de receptividade comparável a um clube de serviço? Enquanto Milei seguia escoltado até o Congresso, as imagens remetiam a uma Buenos Aires com prédios comparáveis àqueles que jazem, hoje, nos centros de Rio e São Paulo, com arquitetura belíssima. Pergunta-se: se a sede de governo permanecesse no estado fluminense, todo este patrimônio arquitetônico não estaria preservado? Dá para pensar. O Estado sempre terá recursos para privilegiar a classe política, mas os políticos não precisam de conforto: precisam de fiscalização e cobrança. Ainda neste domingo, uma reportagem especial divulgou algo não muito conhecido: a fazenda de JK. Também com o desejo de fomentar o desenvolvimento no planalto central, ele construiu uma propriedade agrícola com inspiração mineira, que hoje serve para pesquisa e visitação pública. Para que e para quem? Sei não, faltou ao nosso presidente Bossa Nova ter um outro tipo de visão, de como a população odiaria, um dia, privilégios concedidos a uma categoria quer ele mesmo subestimou.
Roberto Lucato
Ilustração: Freepik