Bater asas

Bater asas

Quem se atreve a escrever sobre datas festivas tem um enorme desafio pela frente: enxergar o mesmo referencial de maneira diferente. É o que tenho procurado fazer nas últimas décadas. Refleti muitas vezes sobre meu pai, meu filho, a paternidade como ela é, e quando pensava ter esgotado todas as faces, eis que neste ano, pela segunda vez consecutiva, receberei um abraço digital do Giovane. Distante a inacreditáveis 33 mil quilômetros de Limeira, ele estará em algum ponto da Austrália, a treze horas adiantado. Aliás, nossas conversas têm sido interessantes devido ao fuso. Quando me liga pela manhã, já está chegando do trabalho, às vezes no interior do metrô; à noite, normalmente ao lado da namorada Isabelle, está caminhando pelas ruas de Brisbane, sob dias ensolarados. Quando não, se mostra preparando alguma refeição em seu apartamento, e assim estamos há mais de dezoito meses. Que me lembre ou possa revelar, neste tempo todo tive três profundas crises de choro; de saudades é claro, mas desde o início cunhei um lema para me fortalecer: “troque por orgulho”. Pois é uma realidade: o pai herói de antigamente virou o “pai parceiro”, o “pai amigão”, e parceiros e amigos caminham juntos, se ajudam. E trocar saudades por orgulho significa reforçar aquilo que esperamos de nossos filhos: que mantenham vivas as lembranças, que usem as sugestões transmitidas mas que, fundamentalmente, assumam a condução de suas vidas. Criem suas próprias rotas, recalculem, voltem e avancem. Porque um dos significados da paternidade é esse: criar premissas. De educação e de bons exemplos, pois essas são as ferramentas com as quais nossos filhos chegarão a destinos próprios, não exatamente aqueles que eventualmente projetamos. E a distância ou a separação momentânea é uma prova de fogo com o condão de transformar o menino de ontem no pai de amanhã. Pouco antes de viajar, uma de suas justificativas foi essa: “Pai, vai ser legal; além de estudar e trabalhar, terei que aprender a trocar uma lâmpada, fazer comida e arrumar minha cama”. Claro, continuo firme, e ainda ajudo. Semana retrasada orientei o que fazer quando a bateria do seu carro pifou, e prossigo passando dicas culinárias, e sejamos sinceros: o que é isso? Amizade e parceria. Em resumo, quando um filho bate suas próprias asas é apenas um rito de passagem. É o fim de um ciclo e a abertura de outro, talvez a recompensa, se é que esse é o termo, dos compromissos que firmamos quando vimos a primeira troca de fraldas. Á todos os papais, um ótimo domingo, e que desfrutem de todas as fases da paternidade com muito amor. 

 

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