A verdade despedaçada e a mídia atordoada

A verdade despedaçada e a mídia atordoada

Antonio Claudio Bontorim
Jornalista
claudio.bontorim@tribunadelimeira.com.br

Semana que passou assistimos, estupefatos, um dos episódios mais dantescos da política limeirense, quando a realidade paralela falou mais alto e a verdade foi simplesmente destroçada por discursos sem qualquer nexo causal, apenas voltado ao exclusivo interesse do alcaide limeirense. Parece até um trecho de texto lá das décadas de 1960 e 1970, provido de um palavreado exagerado e repleto de qualificativos dos tempos de nossos mestres dos primeiros estudos.
Não tinha como ser diferente. Esse discurso rebuscado é um exemplo do que vem a seguir. Pela primeira vez na história dessa Legislatura, os vereadores fizeram a coisa certa, mas foram execrados pelo prefeito Mario Botion (PSD), por que não concordaram com seus caprichos da “urgência urgentíssima”, em projeto obscuro e sem qualquer explicação e total falta de transparência. O “pela primeira vez na história…” vem no sentido de explicar que, ao longo dos dois mandatos de Botion, nesses últimos sete anos e sete meses, os vereadores sempre atenderam aos caprichos do Poder Executivo.
Muitas urgências, em especial da mudança do zoneamento urbano, ao longo desse período foram aprovadas sem qualquer critério. Dois exemplos clássicos são as alterações para a instalação do fiasco chamado “Cidadela União” e para a construção do Hospital Unimed, este último num quadrilátero central da cidade, cujas características de mobilidade são extremamente complicadas e os acessos têm ruas estreitas e grande fluxo de veículos circulando diariamente.
Ambos os projetos chegaram à Câmara, foram atropelados por uma aprovação unânime e a vida seguiu. Menos a Cidadela União, que afundou e dificilmente será retomada, e o do Hospital Unimed, que foi construído às pressas e no primeiro vendaval teve placas arrancadas de suas paredes e jogadas em construções vizinhas. A pressa é inimiga da perfeição, mas a política é a pior ainda, é inimiga da razão.
Vamos aos fotos, para explicar todo o contexto dessa análise. O Poder Executivo enviou um PLC (Projeto de Lei Complementar) à Câmara sobre a instalação, em Limeira, de uma grande multinacional de tecnologia, uma empresa de datacenter (armazenamento de dados), cujo investimento chegaria aos R$ bilhões. Ou algo em torno disso. O PLC não estava bem explicado, havia dados sigilosos que não podiam ser divulgados, mas Botion insistiu na urgência para votação da “mudança no zoneamento urbano” da área que interessava a empresa e seria adquirida. A urgência foi votada e rejeitada na sessão do último dia 15, a última antes do recesso parlamentar.
E que fique bem claro e “explicadinho, nos mínimos detalhes”: era apenas um projeto de alteração no zoneamento da área que interessava a empresa. Nada a ver se a empresa se instalaria de fato em Limeira ou não. Mais uma vez, para ficar mais claro ainda, não tinha nada a ver com a vida imediata da empresa para o município ou coisa parecida.
Ano político, vereadores candidatos, boa parte já não fazendo mais assento no “trator legislativo” com o qual o prefeito estava acostumado a dirigir seu mandato e tome o resultado: 12 votos contrários e oito favoráveis. Volto a explicar, apenas para que o PLC criasse uma “urgência” para mudança do zoneamento da área, considerada um setor rural e que precisava ser transformada em “zona análoga à urbana”. Nada além disso! O que irritou demasiadamente Botion, que começou seu discurso, assimilado e compactuado por vários meios de comunicação, de que os vereadores votaram contra a vinda de uma grande corporação empresarial para Limeira.
Foi a velha tentativa, mas que continua ainda sendo disseminada, de contar uma mentira muitas vezes, para que ela se transforme em verdade. E, muito para além da política e dos próprios vereadores, quem precisa de uma explicação urgente, essa sim em caráter de “urgência urgentíssima” do prefeito é a população. Que empresa é essa? Quem são os proprietários da área? Por que a necessidade de alteração no zoneamento? E uma série de outras informações, para que tudo fique bem esclarecido.
Mesmo por que, se uma grande multinacional deseja se instalar em uma cidade, há todo um processo que não pode e não deve ser atropelado. A empresa não pode exigir que o administrador público faça tudo a toque de caixa – se é que exigiu, de fato? – e nem esconder informações. Foi muito deselegante da parte de Botion, usar a mídia – ou será que ela quis ser usada? – e tentar jogar a população contra os vereadores. Como jornalista de ofício e analista da política limeirense, sempre critiquei a atuação dos vereadores, que aprovavam tudo o que vinha das mãos do prefeito.
A Câmara, que era apenas conhecida como um “puxadinho” do Edifício Prada, resolveu fechar suas portas e Botion sentiu o impacto. Se tivesse fechado desde o início, muita coisa seria diferente em Limeira. Se o período eleitoral proporcionou essa mudança de comportamento, não importa. Quem sabe assim não haja um aprendizado e os atuais e futuros ocupantes do “puxadinho” não devolvam à imponência, a chamada “Casa do Povo”. E cumpre aos vereadores serem os protagonistas dessa história. Como foram, ao recusar o pedido de urgência do prefeito a um projeto de alteração no zoneamento do município. Apenas isso, nada mais que isso.

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