A variável tolerância da mentira

A variável tolerância da mentira

EDITORIAL
A soberania territorial oferece às nações a oportunidade de estabelecerem regramentos que as permitam existir, neste aspecto do ponto de vista administrativo, cobrando dos cidadãos pelos serviços que oferecem e determinando o que todos possam ou não fazer no chamado convívio social. Essa mesma sociedade, com o passar dos anos, evolui e através de seus representantes determina indiretamente o que seja aceitável ou não. E observe como isso é variável: se perguntarmos a qualquer cidadão brasileiro se o ato de mentir pode ser considerado um crime, e grave, as respostas provavelmente se concentrariam em “não”, “mais ou menos” ou “é relativo”. A classe política é responsável por esse inconsciente coletivo devido à sucessão de ciladas que sustentam suas promessas. Portanto considerar que uma mentira, em nosso país, tenha força para colocar alguém atrás das grades é quase uma utopia, pelas práticas e costumes e pelo pobre arcabouço jurídico neste sentido. Na semana passada, por exemplo, observamos a diminuição do senso de “vergonha” entre a população, portanto se mentir não é exatamente um crime, é vergonhoso. Nos Estados Unidos não faltam exemplos da condenação jurídica e social das mentiras. Bill Clinton se livrou do afastamento da presidência por ter admitido um romance em pleno salão oval da Casa Branca, algo que não seria um crime. Restaurou a verdade, portanto, se seguiu sua vida. E agora temos um caso de grande repercussão. Hunter Biden, filho de Joe Biden, pode pegar vinte e cinco anos de cadeia por mentir ao comprar uma arma. Embora a comercialização seja livre, os interessados devem preencher uma declaração que pergunta, entre outras coisas, se a pessoas é consumidora de drogas. Na época em que comprou uma arma ele declaradamente consumia cocaína, mas alegou o contrário. Ele é acusado por três crimes: mentir para um vendedor de armas; escrever uma mentira em um documento federal e obter uma arma ilegalmente (porque mentiu na declaração). Nos Estados Unidos cada estado define o que fazer com criminosos, incluindo retirar-lhes a vida, e isso não significa que existam menos crimes. Mas saber que cometê-los por dar problemas é o que nos diferencia. Enquanto aqui toleramos, reforçamos o ambiente da impunidade. É simples: se o filho do presidente Lula tiver que explicar porque é o “Ronaldinho dos negócios” e como se enriqueceu, ele prestará o depoimento e voltará para a sua casa. A mentira, no Brasil, é aceitável.

Roberto Lucato

Ilustração: Freepik

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