A eternidade
EDITORIAL
Dizem que na Europa, as nações mais desenvolvidas e menos sujeitas às oscilações ideológicas, pouco a pouco veem suas edificações religiosas se transformarem em museus de arte, ou espaços dedicados à convivência, leitura, meditação e, nos casos mais inusitados, cafés e pequenos bistrôs. O motivo é que, cada vez mais, as pessoas estão se afastando dos cultos e missas, a depender da religião, de maneira rápida e progressiva. A lembrança ocorreu porque, durante a semana, meu companheiro José Antonio Encinas, que há anos comenta notícias que se repetem com essa frequência, disse ter estranhado as estimativas feitas pela prefeitura sobre a visitação dos cemitérios locais por ocasião do feriado de “finados”. Segundo ele, nem vinte mil pessoas devem passar pelos também chamados “campos santos”, respectivamente “Saudades 1” e Saudades 2”; que sinal podemos enxergar nisso? Vários, e o primeiro vem do próprio noticiário. É fácil constatar como cresce a tendência de cremações no Brasil, pois essas informações sempre aparecem no noticiário necrológico. Deixando as convicções religiosas à parte, sempre respeitáveis, se pensarmos bem há pouco sentido que os restos mortais de um ser humano se transformem em necrochorume em alguns meses. E assim, se misturem com o solo de modo a contaminá-lo com resíduos líquidos tóxicos e poluentes. Além disso, o metro quadrado de uma sepultura é, proporcionalmente, exageradamente caro. Também conheço pessoas que reclamam que, entre suas famílias, poucos se interessam em cuidar dos túmulos, “sobrando”, como dizem, apenas para uma pessoa fazer essa tarefa. Para não deixar uma ideia de frieza latente, por outro lado, ainda existe uma quantidade considerável de pessoas que frequentam os túmulos de seus entes queridos como uma espécie de homenagem, um culto à memória daqueles que já partiram desta vida. E ainda, entrando agora em um sentido religioso, há os que acreditam que aqueles corpos serão despertados no dia do Juízo Final. Como escrevemos no início, se finlandeses, suíços e suecos estão, cada vez mais, se afastando das igrejas – e aqui, como diria meu saudoso amigo João Valdir de Moraes, “são outras razões e porquês” –, talvez estejam descobrindo novos sentidos para a vida e para a morte. Em relação ao culto à memória dos mortos e em particular ao declínio à visitação aos cemitérios – até porque existem crenças e tradições diferentes, por exemplo, no Japão e no México –, não vejo qualquer tipo de desrespeito, desonra ou desdém: são apenas sinais dos tempos. Afinal, para aqueles que creem, a cada dia que nos aproximamos da morte, estamos mais próximos da vida eterna.
Roberto Lucato
Ilustração: Freepik