Abstinência na prática
EDITORIAL
Charles Bronson representou, na década de 1980, o estilo “durão” na cine dramaturgia, protagonizando obras que até hoje podem ser revistas desde que contextualizadas. Desejo de Matar, por exemplo, foi uma trilogia de ação que superou todas as expectativas e isso veio em mente, ontem, depois de ver a imagem de alunos paulistanos deixando uma escola com celulares nas mãos. O título da fotolegenda foi inspirador: “Desejo de Teclar”. É evidente que, no primeiro dia em vigor das restrições de uso de aparelhos nas escolas, a abstinência deve ter sido um problema e tanto. Relatos, que ainda serão repercutidos ao longo da semana, deram conta que alguns estabelecimentos de ensino colocaram jogos de mesa à disposição dos alunos, tudo para compensar a ausência dos aparelhos durante os intervalos. E, sobre ficar sem as telas, acompanhei uma interessante entrevista neste final de semana com Eric Carlier e Kim Loeb. Eles falaram ao Revista CBN, segundo a emissora, “como as redes sociais e as técnicas de engajamento afetam nossa vida e identidade; a iniciativa desse movimento é propor soluções para um consumo mais consciente de atenção”. Dá para recuperar o conteúdo pelo YouTube, mas a questão é que nos tornamos cada vez mais dependentes do uso das telas de uma maneira geral. E o que eles propõem é uma reflexão tão simples como aparentemente eficaz: dá para pensarmos antes de atirarmos nossos olhos para o smartphone? Eles estão desenvolvendo um projeto de alcance geral, mas começaram em escolas, e deram um depoimento interessante: “quando chegamos para falar em salas de aula, a primeira reação dos alunos é dizer, interiormente: “olha só, mais um tiozão querendo restringir o uso dos celulares”; porém, promovemos um bate-papo de maneira a conscientizar, não culpar ou algo assim”. Trocando em miúdos, quando a “regra” é dar uma “espiadinha” no aparelho de tempos em tempos, isso não poder ser sistematizado? Mas existe um problema mais grave nisso tudo: o vício. Já existem estatísticas apontando que as bets, como são conhecidas as casas de apostas online, possuem um tremendo potencial viciante. Ora, se já existem reflexos sociais e econômicos nisso, o que dizer sobre algo simples como retirar um aparelho do bolso para ver o que está acontecendo? O hábito, quando se incorpora ao tecido social, é soberano, e será interessante acompanharmos quantas histórias de abstinência serão contadas nos próximos dias. Ou semanas…
Roberto Lucato
Ilustração: Freepik