Os mártires da luta contra a ditadura precisam descansar

Os mártires da luta contra a ditadura precisam descansar

Antonio Claudio Bontorim
JORNALISTA
claudio.bontorim@tribunadelimeira.com.br

Ontem fui ao cinema assistir ao filme “Ainda estou aqui”, história que conta a saga de Eunice Paiva, viúva do deputado Rubens Paiva, cassado durante a ditadura militar, e que se tornou um símbolo dos excessos do regime, entre os anos 1964 e 1985. À procura de seu marido, desaparecido, torturado e morto entre 20 e 22 de janeiro de 1971 e até hoje não encontrado, o filme trata de uma perspectiva histórica contada por ela própria, através das mãos hábeis de seu filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que deu origem ao filme.
A história começa numa tomada da família, na Praia do Leblon – a casa da família ficava do outro lado da praia – e vai se desenvolvendo com os rostos de amigos, dos cinco filhos do casal, das festas, até que agentes da repressão entram na casa e levam Rubens Paiva. Daí em diante é bom assistir ao filme e refletir sobre como a ditadura dilacerou famílias inteiras, torturou, matou e fez desaparecer opositores ao regime. Políticos, jornalistas, intelectuais, estudantes e daí para frente.
Não me cabe aqui dar spoilers sobre o filme, dirigido por Walter Salles, mas iniciar uma reflexão sobre o tema, fazendo um convite àqueles que ainda relutam em reconhecer esse triste e sangrento período da história brasileira. Em especial jovens e adultos entre os 20 e os 40 anos, que por ventura tenham segurado uma faixa dessas, pedindo intervenção militar, ditadura, e tudo o mais, sobre o pretexto da defesa das liberdades.
Ler ao livro e assistir ao filme é um bom começo.
Para quem estudou a ditadura militar e viveu parte dela – a mais dura e cruel de seus 21 anos de história e duração – entre 1968 e 1975, ano em que morreu o jornalista Vladimir Herzog em outubro e, três meses depois, em janeiro, o operário Manuel Fiel Filho, nos porões da repressão. Mortes muito semelhantes e que repercutiram negativamente pela ampla cobertura jornalística e deram início, assim, à derrocada do regime, que duraria ainda mais dez anos, até 1985. Porém a torneira estava aberta e os generais não conseguiram mais fechar seu registro, pressionados pela opinião pública, nacional e internacional.
Vale lembrar que nem Rubens Paiva, Herzog e Fiel Filho não eram terroristas, apenas três homens que se opunham ao regime, divulgando suas ideias e ideais. O termo que a repressão mais gostava para a qualificação dos presos era “comunista”. Era preciso conter os comunistas! Tão bizarro quanto a capacidade deles em entender de fato o que estavam dizendo.
Essas histórias se tornaram públicas por que eram pessoas públicas. Imagina-se, ao longo dos 21 anos da ditadura militar, quantas famílias, mães, pais, filhos, crianças e etc. foram destroçadas, e não puderam contar sua história. Quanta gente desapareceu e nós nem sabemos essa proporção, pois os documentos fundamentais para entender tudo isso ainda estão fechados sob sigilo.
É preciso abri-los urgentemente. E punir essa nova leva de generais e outras patentes, que conspiraram novamente, há dois anos, para devolver o Brasil à escuridão. Coronéis, tenentes, capitães entre tantos outros, que comprovadamente tentaram repetir 1964, mas que falharam. Por isso foi importante o que fez Eunice Paiva, que teve a morte de seu marido reconhecida pelo governo federal, mas não viveu o suficiente para ver a reparação do Estado Brasileiro.
Ela e todos aqueles que morreram nos porões da ditadura, foram torturados, desapareceram e nunca foram encontrados, viveram sob o medo permanente, precisam descansar em paz. E para que isso aconteça, é preciso que se punam todos os envolvidos nessa nova tentativa de golpe, que teve início em 2022 e culminou com o 8 de janeiro de 2023.
Se “ainda estamos aqui”, é a esses mártires a quem devemos agradecer.

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