Saber ganhar e perder
EDITORIAL
Quando crianças, futuros adultos aprendem a brincar com os seus coleguinhas. Nessas dinâmicas, normalmente há uma disputa entre elas; pode ser até mesmo durante uma “corrida de sacos”, ficar em último não é legal. Porém, alguns estereótipos jamais deixaram de existir, por exemplo, a figura do mau perdedor, ou pior, aquele que “não sabe brincar”. E “não saber brincar” remete à figura de alguém que, por limitação física, falta de sorte ou até por desvio de personalidade, não reconhece outro resultado que não seja a vitória. Os “maus perdedores” aprendem, desde cedo, a usar mecanismos sabotadores: por um lado, de suas próprias mentes; de outro, para interferir de modo a contaminar um resultado para benefício próprio. As crianças sabem bem o que fazer contra esse pequeno grupo: se afastam dele. Os “espalha rodinhas”, como são conhecidos também, se tornam quase uma unanimidade nas salas de aula, porque discordam das regras, trapaceiam e, não raramente, parecem se divertir com a indignação do semelhante. Os vilões da longeva série Batman e Robin nasceram assim e se comportavam como crianças mimadas cujos pais perderam a paciência e a esperança na reconstrução de suas personalidades. Isso não é raro; infelizmente é mais comum do que se pensa. A festejada eleição de Jair Bolsonaro, por óbvio, animou uma expressiva parcela dos militares que, depois de muitos anos, foram supervalorizados. Voltaram a ocupar ministérios, ter espaço decisório e, como os cargos permitem, privilégios. O problema é que, deliberadamente sabe-se agora, muitos deles se esqueceram que a hierarquia de comando, na esfera executiva, não é construída por graduação especializada, tampouco por patentes ou condecorações. É através do voto, que possui o mesmo peso para qualquer cidadão habilitado para tal, que as nações democráticas referendam seus representantes. Por isso, Bolsonaro, como presidente, pode ter falhado diversas vezes na liturgia do cargo. Pode ter se comportado inadequadamente diante de outras nações. Pode ter subido além do tom na defesa das visões liberais e conservadoras. Isso faz parte do jogo, porém, instar militares, mesmo de maneira obscura, a desconsiderarem a vitória de um adversário, nas urnas, o apequenou. Porque, as recentes investigações revelam esse fato, pior do que alimentar a ideologia de manifestantes instalados nas portas de quartéis; pior do que exaltar um patriotismo que, ficou claro, em nada se coadunou com pacifismo; pior do que se autoproclamar “imbrochável e incomível” reiteradamente – não se sabe porque – e, pior do que insuflar milhões de brasileiros a defende-lo em encontros na avenida Paulista, em “motociatas” e reuniões de caminhoneiros, foi cruzar os braços diante de uma trama de assassinato, pois um golpe de estado seria “apenas” consequência de algo extremamente mais grave. Finalmente, Bolsonaro se mostrou um “mau perdedor” antes mesmo de perder. E perdeu as eleições para si mesmo, por não ouvir o que parte das ruas dizia, a parte que elegeu o seu oponente. Milhões de brasileiros se indignaram, se frustraram e se desapontaram, assim como eu, com a eleição de Lula mais uma vez. Porém, negar-lhe possuir competência política para persuadir eleitores e, mais do que isso, o exercício do cargo que foi merecedor pelo voto, nos igualaria a crianças que acham bonito grudar chiclete na cadeira da professora. Ou aquelas que, em aglomerações, dão o tapa e escondem suas mãos. Os militares, hoje presos e investigados, não se deram conta disso.
Roberto Lucato
Ilustração: Arquivo Agência Brasil