Congestionamentos jamais

Congestionamentos jamais

EDITORIAL

Há muitos anos nos acostumamos a acompanhar reportagens sobre o périplo dos brasileiros em seus deslocamentos diários. De tão comuns, hoje em dia é raro que algum repórter se interesse em percorrer esses trajetos e tampouco seus editores em apoiar, pois nada é capaz de sensibilizar os gestores públicos em tornar minimamente decente a vida de quem gasta horas para ir e voltar do trabalho. Pior ainda, na semana passada circularam dados de uma pesquisa indicando que quase 70% das mulheres sofreram tentativas de abuso sexual nesses trajetos, incluindo-se cantadas, apalpadas e esfregões em horários de pico. Para aqueles que sofrem menos com isso é mesmo difícil imaginar o desperdício médio de quatro horas para alguém ir ao trabalho e voltar. Curiosamente, porém, topei com um exemplo desses em Paraty quando decidi, como sempre faço, passar por uma barbearia para aparar o que resta da minha cabeleira branca. Atendido por um rapaz simpático, muito educado e dono de um considerável corpanzil, disse-me que estava há pouco mais de três meses no eternizado berço da Feira Internacional de Literatura, o que me assustou um pouco. Perguntei-me: o que ele faz aqui e, mais importante, saberá o que fazer? Aos poucos ele descreveu o principal motivo para abandonar a capital carioca, isso quando lhe perguntei onde residia. A vida no Rio de Janeiro se tornou cansativa, argumentou, e a principal razão é que saia de casa às seis da manhã para retornar as nove da noite. O tempo perdido para se dirigir ao trabalho, além de causar-lhe estresse, consumia parcela considerável do seu orçamento. Sorridente ao emitir sua conclusão, disse que sua casa ficava a 20 quilômetros do centro; mesmo assim, ele conseguia pegar uma van por volta de oito e dez, chegava as nove para trabalhar e mais tarde, no máximo às sete e meia já estava de volta. “Não quero outra vida”, observou, exibindo sua alegria em perder apenas pouco mais de uma hora e meia para conseguir cortar cabelos e aparar barbas, ao contrário das quatro horas e tanto para fazer a mesma coisa na capital fluminense. Coincidência ou não, Márcio, manobrista da posada em que fiquei, igualmente simpático e prestativo, contou semelhante trajetória de vida, incluindo, além do transporte, algo em particular: decidiu morar em Paraty para ter mais tempo para ver seus filhos crescerem, e com mais segurança. “Esse tempo não volta”, disse-me, com toda a razão. Márcio tomou a decisão na hora certa, trocando a vida metropolitana para ser vizinho do oceano Atlântico, assim como fez o barbeiro Rubens, por sinal, avisado pela cegonha que será papai daqui a alguns meses.

Roberto Lucato

Ilustração: Roberto Lucato

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