Música infernal
EDITORIAL
Certamente devem existir estudos acadêmicos sobre a origem da música como a conhecemos e seus efeitos sobre as pessoas. Provavelmente os primatas não tinham como extrair notas musicais esticando a pele de suas presas, mas, no Egito antigo, os faraós se deliciavam com as apresentações de dança. No segmento religioso, os cristãos usam a musicalidade como forma de louvor e até mesmo no islamismo, grupo que mais se expande no mundo, há diversas orações cantadas por seus fiéis. Em diversos momentos do século XVIII, o auge da música erudita criou trouxe leveza para a alma humana e assim, a relação entre pessoas e canções parece simbiótica. No Brasil, infelizmente, nas duas últimas décadas disputam a preferência popular dois ritmos distintos. O primeiro, uma reinvenção na verdade, é representado pelo novo sertanejo, com direito a aparição de mulheres invadindo o que, até tempos atrás, era um Clube do Bolinha. Elas possuem vozes potentes, porém, mais gritam do que cantam, mas quanto ao último, o funk e suas variações, é o que de pior existe. Em primeiro lugar porque não há música: o que existe é uma marcação de ritmo que sustenta letras normalmente descrevendo atitudes criminosas. Quando não, perseguições policiais, orgias e, com não poderia faltar, consumo de drogas. Não se sabe como as pessoas decoram essas letras, e nem mesmo se quem as reproduz “canta” do mesmo jeito, mas uma coisa é certa: ouvir funk parece “empoderar” a galera mais jovem. Como se o mundo estivesse dividido entre normais e caretas. O problema é que, se na democracia ninguém é obrigado a nada senão por força de lei, os apreciadores do funk desconhecem essa premissa e ouvem suas músicas no volume de compartilhamento. Compreendem? Se você para em um sinal vermelho com os vidros abertos ouvirá essa batida. Se estiver em um estacionamento, manobrando, idem, e se passear pelas calçadas do centro de Limeira, também. Há uma espécie de consenso entre os comerciantes que música alta atrai consumidores, como antigamente ocorria com papéis picados. Essas lojas continuam vazias, mas seus atendentes se divertem com essa sonoridade escabrosa. Ninguém fiscaliza e assim segue a vida, vencida pelos “sem noção”, sempre em ampla maioria no Brasil.
Roberto Lucato
Ilustração: Reprodução Mondial