Nossa (ainda) incompleta Constituição

Nossa (ainda) incompleta Constituição

EDITORIAL

Enquanto o deputado Ulisses Guimarães exibia, eufórico, no centro da Câmara Federal, a famigerada “Constituição Cidadã”, em 5 de outubro de 1988, recém-formados no curso de direito, como eu, criticaram seus fundamentos excessivamente paternalistas e as inúmeras lacunas que teriam de ser preenchidas por leis complementares. Até hoje, pouco foi feito a esse respeito porque os parlamentares sabem – como os constituintes também sabiam – que o estado brasileiro jamais teria dinheiro o suficiente para bancar o guarda-chuva social sob o qual, em tese, foram colocados todos os seus filhos – que se transformaram em contribuintes esfoliados desde então. Porém, se a determinação de poderes “independentes e harmônicos” sempre pareceram, na teoria, um caminho minimamente razoável para o equilíbrio institucional do Brasil, jamais se poderia supor, é verdade, que quase quatro décadas mais tarde o Judiciário acumulasse tantas atribuições como observamos. E pior: que, por total apoplexia desse mesmo parlamento, a desatualização de nosso regramento legal abrisse tantas lacunas para o aproveitamento dos magistrados. O que o ministro Alexandre de Moares faz, há quase três anos – popularmente, acumulando os papéis de acusador, vítima e julgador – em qualquer país minimamente sério já seria alvo de questionamento das mais altas autoridades. Por isso, quando Donald Trump respondeu “porque eu posso” ao ser indagado sobre anúncios de tarifaços, com Moraes acontece algo semelhante. As leis, para ele, são adaptáveis, exatamente pela ausência de mecanismos complementares que já eram observados em 1988. Portanto, falar em “perseguição política” é uma definição subjetiva ou imprecisa para os seus atos; Moraes, como escrevemos no artigo anterior, não encontra limites constitucionais para fazer o que bem entenda, o que não ocorre com a vida pública de um presidente ou de um parlamentar. A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro é apenas mais uma decisão com base nesse abismo de discricionaridade cavado pelo “senhor diretas”; certa ou errada é uma discussão derivada, paralela, impertinente ao comentário de hoje. O Brasil está refém de uma falsa liberdade festejada há trinta e sete anos.

Roberto Lucato

Ilustração: Reprodução Instagram

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