O testamento

O testamento

EDITORIAL

Firmar um testamento não é algo popular no Brasil e, a menos que tenham sido publicados recentemente, também não existem estudos que expliquem essa característica cultural, vamos colocar assim. Talvez tenha a ver com a forma com a qual lidamos com fim da existência, tentando postergá-la não tocando no assunto. Por isso, para muitos, a notícia do testamento deixado pelo Papa Francisco pode ter passado sem maiores análises, mas existem alguns pontos que merecem atenção redobrada, não apenas as orientações sobre seu funeral e posterior sepultamento. O principal deles foi inscrito no final de sua carta. Depois de descrever minuciosamente quais seriam seus últimos desejos, o Papa Francisco observou que as despesas de seu enterro e seriam custeadas por uma espécie de doador. Segundo revelou, uma pessoa identificada por ele teria a incumbência de tomar essas providências, e por que chama a atenção? Exatamente porque essa providência demonstra, na prática, boa parte daquilo que ele sempre pregou: a igreja deve atender aos mais necessitados, e não se aproveitar deles. Ora, alguém tem alguma dúvida que o Vaticano não possui recursos mais do que suficientes para um enterro papal? E, de maneira simplista, de onde vêm esses recursos? Das doações dos fiéis. Só para demonstrar uma abissal diferença de propósitos de vida, faz alguns anos um bispo que comandava a Diocese de Nossa Senhora das Dores, aqui em Limeira, foi afastado de suas funções porque descobriu-se que ele não apenas perseguia padres que não atingiam suas metas de arrecadação, como mantinha um estilo de vida nada franciscano, vamos colocar assim. Aliás, a título de lembrança, esse bispo mantinha um certo fascínio por motocicletas robustas, mas voltemos ao testamento: se pessoas que dedicam suas vidas a religião, fazendo consequentemente votos de pobreza, castidade e obediência, o que teriam para incluir em um improvável testamento? Francisco foi inovador até neste ponto, se mantendo inflexível no eixo que lhe dava sustentação: sua extrema humildade, praticada. Desejar que sua urna funerária não estivesse acima do plano de visão das pessoas e que em sua lápida constasse apenas o nome “Franciscus” são apenas mais dois traços que reforçam toda a sua grandeza. Outros mais serão revelados com o tempo, na releitura de seus textos.

Roberto Lucato

Ilustração: Freepik

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