A Páscoa “delivery”
EDITORIAL
A virada do século XXI, instante que o mundo aguardava por um “bug do milênio” no ainda insipiente cyberespaço, não deu em nada. Porém, os efeitos extraordinários e nefastos que pegaram carona na tecnologia caminham até hoje ao nosso lado. No campo que abarca costumes, tradições e crenças, as mudanças pelas quais passamos nos últimos cem anos são cada vez mais perceptíveis. A humanidade já experimentou essas reviravoltas ao longo dos séculos, é claro, quando muitos dogmas simplesmente foram enfrentados com perguntas sem respostas. Mas, quanto mais o ser humano se aproxima dos ambientes digitais, hoje capazes não apenas de nos conectar em qualquer parte do planeta, mas, a partir da recente “inteligência artificial”, mais são construídas novas realidades sobre as antigas. O que víamos ou fazíamos quando crianças parece estar se perdendo no tempo como fotografias esquecidas no sol. E pior, parece que não faz mais sentido tentarmos recriar ambientes lúdicos, familiares e convencionais, vamos dizer assim. É o que acontece, por exemplo, com os feriados religiosos. Progressivamente, os católicos perdem força em todo o mundo, à despeito da resistência de uma pequena ala, hoje liderada pelo Papa Francisco, que almeja por mudanças na igreja. Hoje em dia parece que a maioria das pessoas não se importa mais em montar presépios; muitos demonstram até vergonha, e vejam o que aconteceu com a Páscoa. Há duas décadas, por exemplo, a partir do Domingo de Ramos até o Sábado de Aleluia, as emissoras de televisão rodavam em suas grades as chamadas produções épicas. Eram histórias sobre a vida de Jesus Cristo passando pelo nascimento, os primeiros milagres, parábolas até o momento da crucificação e ressurreição. Curiosamente, faz tempo que isso não ocorre enquanto, em paralelo, novelas que retratam o Antigo Testamento surgem aos borbotões. Ora, cada um faz o que deseja do seu dia, do seu feriado prolongado, mas o fato é que cada vez mais datas consideradas sagradas pelos católicos perderam sua força evangelizadora, vamos colocar assim. O mundo ficou melhor por isso, pelo avanço de outros segmentos? Evidentemente não, mas é melancólico saber que os filhos de nossos filhos dificilmente conhecerão o sentido da Pascoa, exceto por identificarem, nesta época, alguns poucos ovos dependurados em supermercados. Por falar nisso, mesmo em tempos de ovos de chocolate entregues por motoboys, vale reforçar: Feliz Páscoa!
Roberto Lucato